domingo, 3 de junho de 2018

Mulher operária



Antes que o sol rebente
Por detrás do cabeço do monte
Já moureja acordando as fragas
Que no caminho encontre.
Corre, tropeça, quase cai,
Mas, da garganta seca e esvaída
Nem um sopro, nem um ai.
Num braço, um filho, acabado de parir
No ventre, já dois escolhem caminho.
Leva acesa, no rosto, a chama infinda
E traçada sobre o peito intumescido,
sobre o coração,
O alforje de serapilheira, onde aninha
Uma côdea, a fartura 
Duns restos da noite,
Para esganar o cansaço que atura.
Feixe de obra, luzeiro na sombra
dói-lhe o barulho e a malina.
O óleo esgotado é espesso e negro
Como a sua sina,
Como o vaso de desperdícios
Que cobrem o fundo
Onde o filho dorme
Enquanto a jorna a consome.
Não tem um segundo
Trabalha, amamenta e vela
Carrega, lava, limpa, adorna
Come, arde, queima e descansa
No fio onde pendura, todos os dias,
a esperança.

Fátima Almeida
23 de Abril 2018