domingo, 3 de junho de 2018

Mulher operária



Antes que o sol rebente
Por detrás do cabeço do monte
Já moureja acordando as fragas
Que no caminho encontre.
Corre, tropeça, quase cai,
Mas, da garganta seca e esvaída
Nem um sopro, nem um ai.
Num braço, um filho, acabado de parir
No ventre, já dois escolhem caminho.
Leva acesa, no rosto, a chama infinda
E traçada sobre o peito intumescido,
sobre o coração,
O alforje de serapilheira, onde aninha
Uma côdea, a fartura 
Duns restos da noite,
Para esganar o cansaço que atura.
Feixe de obra, luzeiro na sombra
dói-lhe o barulho e a malina.
O óleo esgotado é espesso e negro
Como a sua sina,
Como o vaso de desperdícios
Que cobrem o fundo
Onde o filho dorme
Enquanto a jorna a consome.
Não tem um segundo
Trabalha, amamenta e vela
Carrega, lava, limpa, adorna
Come, arde, queima e descansa
No fio onde pendura, todos os dias,
a esperança.

Fátima Almeida
23 de Abril 2018

quarta-feira, 23 de agosto de 2017

Regresso




Queima. Agarra-se à pele
Este sentimento, antes sem sentido
Que fere , destrói e rasga
Em mil pedaços a imagem de que pertencia
A um universo único, iluminado,
Engastada como pérola num arco anelar.
Arco seguro, porto certo…
Sou, afinal, um mero batel,
Em ondas alterosas, num mar perverso.
Vacilo, tenteio de funduras a picos
No vogar inclemente do afastamento,   
Da mágoa que fossiliza.
E o que mais arde...
É não conseguir encontrar o caminho de regresso!


Fátima Almeida

(Pintura de Silva Porto)

quarta-feira, 21 de junho de 2017

Pedrogão...

                                              

De barro, de terra e de céu 
photo by TVI24@iol.pt
Pertence a um lugar orlado de cinzas
Outrora pintado de cores vivas e fortes.
Como um véu, o céu vibra no azul
Infinito, azul de mar… que fica longe!
Azul ao poente, azul antes das estrelas
Azul do amanhecer, dormente!
Da terra brota a água turva
Que incessante serpenteia e lava
O colo dorido da serra e dos caminhos.
Gotículas de sangue desprendem-se dos olhos,
Ainda em chamas, ainda em grito,
Ainda em súplica, tão ou mais ardente!...
Que fazer? Onde ancorar a mágoa
Que se eleva ao azul, impávido, do céu,
Como um, daqueles troncos,
Negros, calcinados, sedentos de justiça?
Onde repousam a cabeça
Os homens, poucos, que aqui pertencem
Que aqui jazem
Enraizados, entrelaçados, presos
A um pesadelo sem fim,
A um abraço vazio sem reverbero?
Quem roubou a esperança
Aos homens moldados na terra
Com reflexos de céu?

Fátima Almeida

2017, Junho, 18

terça-feira, 28 de março de 2017

Meu fadário

No vazio destas ruas
Onde passa tanta gente
Procuro e não encontro
Alma, abraço, mão presente

Vagueando horas mortas
Nestas vielas estreitas
Chão de fado, vidas tortas
Promessa que não rejeitas

Neste lastro, neste enleio
De vida vã, vida louca
Vivo penando e receio
Ser para ti, coisa pouca

Mau presságio! Este amor,
Vagabundo, dor errante,
Grita em mim, tão sofredor, 
Meu fadário, neste instante!

quarta-feira, 25 de janeiro de 2017

A Sombra dos Dias


No passado dia 26 de Novembro de 2016, no Auditório da Biblioteca Municipal Camilo Castelo Branco, em Vila Nova de Famalicão, apresentei o meu primeiro livro de poesia: A Sombra dos Dias. A Editora Labirinto proporcionou-me esta experiência inesquecível.
A capa é uma foto de Dalila Dano
O Prefácio é da autoria do Professor, Doutor José Moreira da Silva (Universidade do Minho)
Na sessão de apresentação estiveram presentes:
Dr. Paulo Cunha, Presidente da Câmara Municipal de Vila Nova de Famalicão
Professor, Doutor José Moreira da Silva
Sr. João Artur Pinto, da Editora Labirinto
Leram poemas os meus amigos:
Dr.ª Dalila Dano - Poemas: "Entardecer" e "Só"
Dr.ª Filomena Fonseca - Poema "Ode a Castelões"
Dr.ª Neuza Fangueiro - Poema "Quase Natal"
Prof. Carlos Silva - Poema "Cidade"
Prof. António Sousa - Poema "Aerograma"
Os Díssono, Edgar Ferreira e André Silvestre, completaram a sessão musicalmente.
O Pedro Zimann fez a recolha de Imagens.
Na assistência a minha família, amigos e conhecidos deram-me o privilégio da sua presença.
O Grutaca, Grupo de Teatro Amador Camiliano ofereceu o bolo de Aniversário já que também era dia do meu aniversário.
O livro está á venda, entre outras livrarias, na Livraria Fontenova,na Alameda Luís de Camões, em Vila Nova de Famalicão.
Bem hajam!







terça-feira, 11 de outubro de 2016

Promessa


Hei-de voltar aqui!
A este lugar de pedra
E hera verde
Onde cabem os anseios,
Os degredados, os insanos
E a menina que tem sede.

Alma em concha, espera
O fio breve da esperança
Que Pandora guardava
Na caixa sem cor.
Alma em concha
Amarga o medo e a dor
Do presente sem futuro,
Neste lugar de pedra
E hera seca...

Hei-de voltar aqui!
Em busca de pão e água
E as pedras serão terra
E a hera pasto d'oiro.
E levar-te-ei comigo
Doce menina, meu tesoiro.


14 de Setembro de 2016

quinta-feira, 22 de setembro de 2016

Crónica: Teatro Bus e Grutaca animam o Verão em Famalicão


(Foto de, Marco Lindo)
Inserido na programação “Verão em Famalicão”, promovida pelo Município, apresentou-se no passado dia 26 de Agosto, em Vila Nova de Famalicão, a atividade “Teatro Bus” com a participação do Grutaca, Grupo de Teatro Amador Camiliano e a colaboração da ARRIVA Portugal.
A cidade que cresceu e se desenvolveu, dizem, mercê da posição geográfica estratégica, cruzamento de estradas com ligação a cidades como Braga, Porto, Barcelos, Póvoa de Varzim e Guimarães recebia nessa tarde, sob o calor sufocante de um Verão demasiado quente, o autocarro, denominado “Teatro Bus” (Autocarro do Teatro), surpreendendo todos os que, na esplanada dos cafés em redor da Praça D. Maria II, se refrescavam e aguardavam que o calor abrandasse para abandonarem a agradável sombra, dos guarda-sóis disponíveis.
Sem alarde, o enorme autocarro vermelho, coberto de inscrições e de efígies, entrou na rua pedonal e posicionou-se no centro da Praça ao lado do estrado de seis metros por quatro metros e meio, que já aí se encontrava instalado.
Apesar do calor, a curiosidade aproximou as pessoas e lembrou a atividade que decorreria à noite.
E a noite chegou. Fresca, agradável, ideal para sair de casa e desfrutar de um espetáculo de teatro, ao ar livre e no interior do autocarro.
A proposta teatral trazida pelo Grutaca, Grupo de Teatro Amador Camiliano, de São Miguel de Seide, Vila Nova de Famalicão, apresentava alguns Sketches da vida e obra de Camilo Castelo Branco e da “Guerra no Tabuleiro de Xadrez” de Manuel António Pina, a uma plateia surpreendida pelo inusitado da situação e pela beleza e oportunidade das cenas que aí foram retratadas.
Fez-se silêncio e a função, no exterior, começou subindo à cena o personagem Nuno Castelo Branco, num monólogo interpretado pela atriz Dalila Fernandes. Depois, no estrado decorado com uma tela a lembrar um tabuleiro de xadrez, as personagens Camilo Castelo Branco (Reinaldo Ferreira) e Ana Augusta Plácido (Cláudia Campos) desenvolveram uma cena de ciúmes e Camilo, evidenciou o lado manipulador, profetizando o destino que pretendia escolher para o “filho estoira-vergas”, referindo-se a Nuno Castelo Branco, casando-o com uma mulher rica, apelidada por Camilo de “Diamante Negro”. O cansaço sobreveio e estes personagens deram lugar e “vida” às figuras Brancas e Pretas que compõem o jogo no tabuleiro de xadrez.
No tabuleiro, adiantou-se o frágil peão (Mariana Ferreira), entrou em cena e não deixou ninguém indiferente. A sua voz cristalina, pausada e bem colocada, guiou o público presente para as cenas seguintes dentro do “Teatro Bus”. O Bobo da corte (Serafim Costa) animou a assistência cantando “Fado triste” em tom melancólico e afinado. Devido ao elevado número de espetadores presentes, convidou uma parte do público para uma primeira função no interior do Autocarro, voltando a repetir o convite a um segundo grupo.
Cerca de uma centena e meia de pessoas fizeram parte integrante do espetáculo, outras tantas optaram por admirar e aplaudir no exterior. E foram muitos os aplausos e agradecimentos:  à Câmara Municipal pelo arrojo e inovação cultural; ao Grutaca e aos atores faltando aqui referir as seguintes interpretações: Rei Branco- Fernando Lima; Rei Preto- Hélder Lobo; Rainha Branca-Barbara Araújo; Rainha Preta-Diana Catarina; Bispo Branco-Francisco Cereja; Bispo Preto-António Alves; Cavaleiro Branco-Dalila Fernandes; Cavaleiro Preto-José Alves; Torre Branca- Raúl Oliveira e Torre Preta- Armindo Alves. Aplausos também para a ARRIVA pela disponibilidade e interesse em colaborar com o Município e o seu esforço de dinamização cultural.
Disputas, guerras, anseios, vinganças sem sentido e em resultado a necessidade de um esforço conjunto pela paz e harmonia entre os homens, sem diferenças de cor, género ou crença, foi a mensagem que aqui ficou na Praça Dona Maria II, nesta deliciosa Noite de Verão, a bordo de um Autocarro do Teatro, a quem chegaram a apelidar de “Autocarro do Amor” que nos levou pelos caminhos da Esperança e da celebração da literatura e dos autores de língua portuguesa.
Luís de Camões que o diga pois também lá estava, como se estivesse num mirante da Casa de Camilo, acompanhado pelos anfitriões, mirando expectante das janelas do autocarro.

Fátima Almeida

20-09-2016