quinta-feira, 19 de novembro de 2015

Só!

Olho-a e penso:
Quando voltará a cair
a lágrima, teimosa,
suspensa no canto do olho?
A voz embargada
recortada nas palavras
acesas e pardas
tende a sumir-se, como a dor,
para um qualquer recanto
onde, escondida, soçobra!
Resta-lhe a memória
de um lar pleno e repleto
onde falava mais alto
o afeto,
para onde fugia
nos dias vazios e pardos.
Ficou-lhe a lembrança
das rosas e dos pessegueiros
luminosos e amplos,
do tempo da sua infância
Ficou-lhe o sabor dos abrunhos
o toque dos cardos
e a desesperança.
Que sina!
Que desamor!
Solidão e lágrimas

Saudade e dor!

domingo, 8 de novembro de 2015

Crónica do tempo



Caminha, a passo lento, o tempo na aldeia da minha infância. 
Debruça-se nos ombros dos antecipadamente reformados, dos dispensados de serviço e come os ossos aos velhos de olhar parado, fixo no horizonte sempre igual, sempre verde, ostensivamente verde e fresco!

Vive-se mais tempo, mas é um tempo de temor, às vezes de remorsos, de males ruins, que o bem dos últimos dias não eleva, não esquece, não perdoa. Vive-se e morre-se na aldeia da minha infância, como na minha infância.

Morre-se devagar ao sabor dos dias prenhes de fartura, engordados pela miséria e vestindo o traje habitual: esgares de dor, laivos de riso, medo, incredulidade e, por vezes (muitas), esperança. Aquela que ficou, depois de todos os males ocorrerem por ordem dos deuses, ainda permanece, sendo o último reduto da humanidade.

É a ela que todos se agarram na hora de partir e, na verdade, é vã, não dá respostas, nem conselhos, nem procedimentos a tomar, nem a salvaguarda dos que ficam, nem a certeza dos lugares do outro lado do Estige.

Aqui, hoje, existe a certeza de um tempo lasso, frio e quente, húmido e seco que esvazia corpos que, ontem, foram belos e perfeitos e os torna cadáveres ambulantes à espera da sua vez de passagem e esperam ter o óbolo necessário para dar ao barqueiro.

Amanhã é só mais um passo, mais um arquear do peito, um sorvo de ar que se esgota dia a dia no caudal virulento da pressa das máquinas.

cores da minha cidade no outono





Percepção





Olho e não vejo

O que outrora via



Oiço e o que oiço,

Lembra-me  como outrora era



Há demasiado ruído em volta

Do silêncio de outrora



Há de tudo demasiado

E demasiada falta de tudo



No rosto dos que passam

Brilham centelhas de angústia



Nos gestos dos que ficam

Desmaiam anseios no olhar