domingo, 8 de novembro de 2015

Crónica do tempo



Caminha, a passo lento, o tempo na aldeia da minha infância. 
Debruça-se nos ombros dos antecipadamente reformados, dos dispensados de serviço e come os ossos aos velhos de olhar parado, fixo no horizonte sempre igual, sempre verde, ostensivamente verde e fresco!

Vive-se mais tempo, mas é um tempo de temor, às vezes de remorsos, de males ruins, que o bem dos últimos dias não eleva, não esquece, não perdoa. Vive-se e morre-se na aldeia da minha infância, como na minha infância.

Morre-se devagar ao sabor dos dias prenhes de fartura, engordados pela miséria e vestindo o traje habitual: esgares de dor, laivos de riso, medo, incredulidade e, por vezes (muitas), esperança. Aquela que ficou, depois de todos os males ocorrerem por ordem dos deuses, ainda permanece, sendo o último reduto da humanidade.

É a ela que todos se agarram na hora de partir e, na verdade, é vã, não dá respostas, nem conselhos, nem procedimentos a tomar, nem a salvaguarda dos que ficam, nem a certeza dos lugares do outro lado do Estige.

Aqui, hoje, existe a certeza de um tempo lasso, frio e quente, húmido e seco que esvazia corpos que, ontem, foram belos e perfeitos e os torna cadáveres ambulantes à espera da sua vez de passagem e esperam ter o óbolo necessário para dar ao barqueiro.

Amanhã é só mais um passo, mais um arquear do peito, um sorvo de ar que se esgota dia a dia no caudal virulento da pressa das máquinas.

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