quarta-feira, 26 de agosto de 2015

Ausência




Nascem palavras em teus olhos
E crescem melodias em meu peito
Batem asas as gaivotas da aventura
E pressinto os algares e a lonjura
Quando a noite refulge
Na prata das estrelas
O silêncio ebúrneo
Desmaia nas tuas mãos
Que acariciam a luz
Da minha voz ténue,
Quase inaudível.
Chamo-te.
O eco devolve-me
Ao vazio deste anseio.
Sonho.
Vagueio por caminhos incertos
E o brilho diamantino dos teus olhos
Entoa-me canções de há muito tempo…
Afasto-me
Da sombra dessa luz
E choro-te.


Ao meu pai, Salvador Gomes de Almeida
05 de Abril de 2012

segunda-feira, 24 de agosto de 2015

Cidade




A minha cidade
É feita de ruas e praças 
De prédios e casas às cores
e árvores verdes,
É feita de chuva e de sol,
De calor e de frio
De céu azul e de chão,
Lugar onde te encontras e te perdes.
O mar calou-se ao longe
E da montanha sopram ventos
Com notícias agridoces
Que perfumam a minha cidade.
Com ela me encontro pela manhã,
Dela me despeço à tardinha.
Na minha cidade
Há outras e outros
Rostos antigos e novos que se animam
Onde brilham olhares que se aninham
Nas mãos dadas do carinho e do afeto,
Nas mãos vazias, suspensas, frágeis,
À espera de coisas ou de coisa nenhuma
E tocam o ar frio da noite
E colhem a calidez dos dias
No banco de um qualquer lugar.
Há festa, trabalho, bulício e cansaço
Nesta cidade,
Onde não se ouve o mar,
Onde as gaivotas não fazem ninho,
Aonde os barcos não ancoram.
Cruzam-se autocarros e comboios
Que levam e trazem, 
Vogar incessante da viagem
Dos que aqui labutam e moram.
Esta cidade
És tu e sou eu
No amplexo do peito
Onde bate um coração
E o espirito refulge
E a sente por inteiro,  
Qual linha da palma da mão.

18 de Agosto de 2015

A propósito do silêncio...




O silêncio é como um carreiro sem fim e sem destino. 
Quando somos crianças, o mundo à nossa volta é grandioso, todos os caminhos são compridos e todos os lugares são distantes. Tinha essa sensação quando, e sempre que, acompanhava o meu avô, nas suas deambulações pelas ruas e lugares da nossa aldeia.
O meu avô era surdo e sorria-me quando percebia o marulhar do vento nas giestas em flor ou ouvia o suave deslizar das lagartixas pela movimentação do cascalho ou das silvas do caminho.
Carreiros de silêncio e cumplicidade, de cheiros e de sorrisos, cumpridos, vividos sem vacilar por mim e por ele. De vez em quando o silêncio trazia-me o som dos pássaros e as conversas infindáveis dos pinheiros em disputa com os eucaliptos, mais frondosos, mais espaçosos, intrusos - sei-o agora!
Carreiros feitos a propósito de nada, a não ser pelo facto de estarmos juntos e caminhar, até que o cansaço nos vencia e nos fazia regressar a casa e a outros silêncios…

Ao meu Avô, José Dias Cardoso
13-04-2012

quarta-feira, 19 de agosto de 2015

ENTARDECER





                                                      
As folhas aquecidas pelo tempo
transformadas em fogo e lamento
tombam a meus pés,
tragando-as o passar dos dias.
 A chuva cai dura e fria.
E o sol, em esgares,
foge do brilho dos meus olhos
e leva a luz do suave entardecer
que guardei em meu regaço
por tão breve espaço!
As minhas entranhas são lume e cinza
que as monções e os ventos
transformam em tudo, e em nada.
E como fogueira que se apaga
esquece o calor em mim
e fico assim
estação fria e amarga.

 05-05-2008



Aerograma




Maria, aqui tão longe de ti
sonho poder voltar e abraçar-te
Contar-te o meu receio e dor
Olhar os teus olhos e sorrir
Beijar as tuas mãos e pedir
alegria e não temor
Não sei se volto um dia
aos lugares da minha infância,
ao teu colo, aos teus afetos.
Aqui o silêncio magoa
E o metralhar ecoa
em mil destinos incertos.
Aqui desfazem-se sonhos,
desmembram-se futuros.
O céu negro e pesado
desfaz-se em gotas de mágoa
E o sangue tinge e turva a água
do caudal do rio calado
Maria, escreve-me e diz-me sempre
que estás à minha espera.
E eu abraçarei as tuas palavras.
Embrulha o nosso futuro
por enquanto, tem-no seguro
como o beijo que te mando e guardas.
Manda-me tu também um abraço.
Um abraço prenhe de distância
que ouse cruzar o mar e chegue aqui!
Que atravesse o meu peito como bala
Que acolha o grito que a minha boca cala
Que me saiba a casa, que me lembre de ti.
                                              
Do Teu José!

Nota: escrito no âmbito do projeto “Lenços das Madrinhas de Guerra” VNF (Abril de 2014)