Igreja de Vera Cruz de Marmelar (Portel) |
Aquele Agosto estava muito complicado:
muito trabalho, muita azáfama, muita pressa, vontade de chegar rapidamente e a
estrada, interminável, alongava-se a perder de vista sob o sol tórrido.
A água esgotava-se dentro da
viatura, esconsa, velha, sem ar condicionado, onde os “oito artistas” seguiam
enlatados e emparelhados com as violas surdas, o violino emudecido, os bombos
calados e a necessidade de chegar!
A expetativa era muita!
Vidigueira ficava para trás, faltava agora Vera Cruz de Marmelar; mais uns
quantos quilómetros e pronto! Num pequeno montículo de terra
semelhante a um soluço suspenso no peito da terra-mãe, lá estava ela: branquinha,
pequena, mirando-os risonha, de longe, à espera. Mais perto, já dentro dela,
víam-na em toda a sua plenitude. Três ruas a constituíam: a mais direita levava
à igreja onde estava o palco, a céu aberto; nas outras duas ruas aninhavam-se
as casas, térreas, vestidas de blusa e saia branca com uma barra azul rente ao
chão poeirento e irregular.
Ao pé da igreja encontrava-se a
taberna do Ti João.
Sequiosos e cansados entraram na
taberna e logo foram seguidos por uma dúzia de olhos inquisidores. São
estranhos à aldeia! Pensaram.
Encostados ao balcão pediram as
bebidas: - Duas cervejas fresquinhas se faz favor, pediram as duas mulheres do
grupo. Ti João pareceu não ouvir e elas repetiram o pedido. De novo a demora. Reformularam
pela terceira vez o pedido em tom um pouco mais alto e desta feita, perante a
igual insistência dos restantes elementos do grupo, lá foram servidas.
Aperceberam-se do constrangimento
mas nada disseram.
Quando abandonaram a taberna,
sentada na soleira da porta de uma das casas vizinhas, uma mulher, vestida de
negro, olhava-os sorrindo.
- Boa tarde! Saudaram.
- Boa tarde! Respondeu-lhes.
O tom amistoso da sua voz levou-os
a ficar ali, à sombra, a conversar com Ti Aurora, assim se chamava ela, durante
um bom bocado. O Sol mordia-lhes a pele e quando respiravam, lufadas de ar,
saturado de calor, entrava-lhes pelas narinas.
Aproveitando a oportunidade
contaram à Ti Aurora o que tinha
acontecido na taberna com o pedido da cerveja para as duas moças e ela riu-se e
disse:
- Em Vera Cruz as mulheres não
entram na taberna e nunca bebem em público bebidas alcoólicas. As que o fazem
são mulheres da sorte, por isso o espanto dos homens e a recusa em servi-las.
Costumes! Bons ou maus são os nossos, não nos levem a mal por isso, vão ver que
logo esquecem o que aconteceu.
Continuaram a conversar durante
mais um pouco e quando o sol partiu para outros horizontes começaram a
trabalhar o espetáculo.
À noite sob um céu límpido e
profusamente estrelado, na companhia do Ti João, da Ti’Aurora e de tantos
outros habitantes de Vera Cruz e das aldeias vizinhas o espetáculo aconteceu e
toda a viagem fez sentido.
De vez em quando regressam lá, em
pensamento, e revêm o pequeno povoado bordado a azul, branco e vermelho, num
fundo amarelo ouro, onde na planura mora a solidão e tem gosto a amoras
silvestres.
"(...) Ai, Alentejo, quem te amou não te esqueceu..."
In Toada ao Alentejo, cantada por Sebastião Antunes-