quarta-feira, 14 de outubro de 2015

Uma viagem rumo ao sul...

Igreja de Vera Cruz de Marmelar  (Portel)

Aquele Agosto estava muito complicado: muito trabalho, muita azáfama, muita pressa, vontade de chegar rapidamente e a estrada, interminável, alongava-se a perder de vista sob o sol tórrido.
A água esgotava-se dentro da viatura, esconsa, velha, sem ar condicionado, onde os “oito artistas” seguiam enlatados e emparelhados com as violas surdas, o violino emudecido, os bombos calados e a necessidade de chegar!
A expetativa era muita! Vidigueira ficava para trás, faltava agora Vera Cruz de Marmelar; mais uns quantos quilómetros e pronto! Num pequeno montículo de terra semelhante a um soluço suspenso no peito da terra-mãe, lá estava ela: branquinha, pequena, mirando-os risonha, de longe, à espera. Mais perto, já dentro dela, víam-na em toda a sua plenitude. Três ruas a constituíam: a mais direita levava à igreja onde estava o palco, a céu aberto; nas outras duas ruas aninhavam-se as casas, térreas, vestidas de blusa e saia branca com uma barra azul rente ao chão poeirento e irregular.
Ao pé da igreja encontrava-se a taberna do Ti João.
Sequiosos e cansados entraram na taberna e logo foram seguidos por uma dúzia de olhos inquisidores. São estranhos à aldeia! Pensaram.
Encostados ao balcão pediram as bebidas: - Duas cervejas fresquinhas se faz favor, pediram as duas mulheres do grupo. Ti João pareceu não ouvir e elas repetiram o pedido. De novo a demora. Reformularam pela terceira vez o pedido em tom um pouco mais alto e desta feita, perante a igual insistência dos restantes elementos do grupo, lá foram servidas.
Aperceberam-se do constrangimento mas nada disseram.
Quando abandonaram a taberna, sentada na soleira da porta de uma das casas vizinhas, uma mulher, vestida de negro, olhava-os sorrindo.
- Boa tarde! Saudaram.
- Boa tarde! Respondeu-lhes.
O tom amistoso da sua voz levou-os a ficar ali, à sombra, a conversar com Ti Aurora, assim se chamava ela, durante um bom bocado. O Sol mordia-lhes a pele e quando respiravam, lufadas de ar, saturado de calor, entrava-lhes pelas narinas.  
Aproveitando a oportunidade contaram  à Ti Aurora o que tinha acontecido na taberna com o pedido da cerveja para as duas moças e ela riu-se e disse:
- Em Vera Cruz as mulheres não entram na taberna e nunca bebem em público bebidas alcoólicas. As que o fazem são mulheres da sorte, por isso o espanto dos homens e a recusa em servi-las. Costumes! Bons ou maus são os nossos, não nos levem a mal por isso, vão ver que logo esquecem o que aconteceu.
Continuaram a conversar durante mais um pouco e quando o sol partiu para outros horizontes começaram a trabalhar o espetáculo.
À noite sob um céu límpido e profusamente estrelado, na companhia do Ti João, da Ti’Aurora e de tantos outros habitantes de Vera Cruz e das aldeias vizinhas o espetáculo aconteceu e toda a viagem fez sentido.
De vez em quando regressam lá, em pensamento, e revêm o pequeno povoado bordado a azul, branco e vermelho, num fundo amarelo ouro, onde na planura mora a solidão e tem gosto a amoras silvestres.

"(...) Ai, Alentejo, quem te amou não te esqueceu..."
In Toada ao Alentejo, cantada por Sebastião Antunes-

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